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segunda-feira, 18 de julho de 2011

PEGANDO CARONA NA CAUDA DO COMETA


Em 1986 um fenômeno celeste estava preste a acontecer depois de 76 anos, este fato dividia o noticiário com a eleição de Tancredo Neves para presidente, era ano de copa do mundo, o Brasil vivia uma fase de otimismo exacerbado, pois o país entrava de novo no rol dos países democráticos, ditadura naquele instante já era coisa do passado. Entretanto seus efeitos ainda podiam ser sentido, estávamos à apenas poucos meses de uma nova era democrática, então o Cometa Halley era mais uma de nossas alegrias, eramos meninos, pouco se usava o termo adolescente para justificar esta fase da nossa vida, aliás apesar do momento de euforia, sabíamos e tínhamos consciência de que o Brasil estava a beira da falência, muitos dos nossos pais tinham dificuldades financeira e estavam desempregados, a inflação era galopante e o desemprego alto, mais com a nova condição democrática que acabávamos de obter via eleição indireta, vivíamos a nossa fase de meninos e meninas na maior felicidade e esperança, e o Halley refletia para nós isso nos céus de nosso país e nossa juventude.
Lembro-me bem de que todas as noites íamos para a praça Benjamim Costa, e ali ficávamos até altas horas, olhando para o céu na esperança de vê-lo passar, nos revelando a sua cauda luminosa. Brotava nas rádios músicas com o tema, como a música “Um lindo Balão Azul” de Guilherme Arantes, e bastante cantada por nós, todos queriam pegar carona na cauda do cometa, eram tempos em que podíamos nos dar o luxo de ficarmos pelas ruas até  tarde da noite, sem corrermos o risco de sermos vítimas da violência alheia. Em nosso convívio de amigos, tínhamos caras engraçados, como os filhos de Augusto Vitória. Beto, Guto, Rômulo, a quem chamávamos de miguerme e Neném, este mimado de mais e pouco fez parte da nossa turma, eram engraçados por que tinham verdadeira megalomania para com seus familiares e para si, contavam mentiras cabeludas que quase nos faziam acreditar, tamanha a dramaticidade com que contavam as estórias de sua avó e avô, lá pelas bandas de Andaraí, sem contar no falso protestantismo em que viviam, mais é coisa para outras histórias, o importante era que apenas um deles tinham em seu poder, a única luneta que tínhamos conhecimento na cidade, e eles viviam a fazer figa para nós, mais eram gente boa e deixavam nos deliciar com a pequena luneta, que mesmo sendo pequena descortinou para nós o universo e o cometa que tanto nos fascinavam. Eramos uma verdadeira patota de amigos, alegres e felizes, lembro deles e daquele tempo com saudades, a maioria deles graças a Deus ainda mantenho contato, mais os mais chegados a mim eram Aldinho, Everaldo, Barão, Joelson, Renilson e Guga que com suas artimanhas vivia a pregar peças.
E falando em pregar peças, houve uma noite em que passava das duas da madruga e esperávamos o bendito cometa passar, pois tínhamos a ilusão que o mesmo iria passar tão perto, que iria deixar no céu, o rastro de sua cauda tão afamada e cantada. Beto e Guto resolvem ir embora repentinamente, mais eu e meus amigos continuamos a esperar o cometa chupando laranja na praça, e de tanto esperar, cansei, e resolvi ir embora. Como morava atrás da casa de Totinho, teria que passar na recém criada rua, a onde ficava a venda de seu Ranulfo, e como sempre fazíamos em nossas espera, contávamos e ouvíamos estórias de Lobisomem, da Lebara e outros espectros da cultura popular, e isso nos deixavam a todos com um certo medo na hora de ir embora, e neste dia não foi diferente. Só que isso quase acaba em tragédia, pois eu ia para casa sozinho,e iria passar por um lugar que quase não tinha casas, e não havia uma viva alma na rua a uma hora daquelas, e desci cantarolando uma cantiga qualquer para disfarçar o medo, e ao mesmo tempo em minhas mãos segurava uma faca pontiaguda que estava utilizando para descascar as laranjas, e nada disso me dava a segurança necessária para dissipar o medo que tomava conta de mim ao passar pelo local mais escuro. Eis que de repente pula em minha frente, um vulto enrolado em um lençol branco, na hora gelei e não tive forças para correr, e outro pula atrás de mim, e por instinto que não sei da onde veio, e ao invés de correr para casa, partir com a faca em punho para alvejar aquela assombração, rasgando-lhe o lençol e quase matando um dos meus amigos que se faziam passar por esta entidade. Eu fui com tanta fúria para cima de um deles, que quando ia desferir o golpe fatal, ouvir a voz de Beto gritando. Sou eu! Beto. O mesmo fazia Guto, seu parceiro nessa aventura que quase vira uma tragédia, estava branco, pálido de medo, e eu não poderia estar de outro jeito.
O certo é que passado o susto de ambos os lados, caímos numa gargalhada sem fim que nos foi brindada por uma estrela cadente muito próxima, e que riscou o céu, a mesma era tão grande que pensamos se tratar ser o Halley, e essa foi apenas uma de muitas deliciosas noites a espera deste fabuloso Astro, que vivo não estarei para vê-lo passar de novo, e embarcar em mais uma aventura na cauda do cometa Halley.

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